Auditor fiscal diz que falar em ajuste fiscal “sem que haja devolução ou compensação das sobras orçamentárias e redução dos duodécimos inflados dos Poderes é tapar o sol com uma peneira”
janeiro 07, 2018
Um leitor assíduo do RSJ enviou texto de autoria do auditor
fiscal estadual José Arnaldo Fiuza Lima. Intitulado de ‘Crise Financeira do RN:
Números e Poderes’, o conteúdo do texto desnuda as soluções apresentadas pelo governador Robinson Faria para ajustar as contas do executivo.
Confira o texto na íntegra (os grifos em negrito são
nossos):
Crise Financeira do RN: Números e Poderes
No meio da crise pela qual atravessa o Rio Grande do Norte,
o Governador Robinson Faria se reuniu com os chefes dos Poderes para demonstrar
o problema e apontar, sob sua ótica, as soluções para ajustar as contas do
Executivo, entre as quais o corte da despesa com pessoal e a venda de ativos.
No que toca à devolução de sobras orçamentárias de
exercícios anteriores, os Chefes dos
Poderes, conforme divulgação da mídia local, afirmaram que não mais dispunham
destes recursos, ficando, em nosso entendimento, claro o recado ao Executivo,
de que não espere deles ajuda financeira para o enfrentamento da crise do
Estado.
Em nenhum momento, pelo que se depreende das notícias
divulgadas nos meios de comunicação sequer
trataram de um tema que juntamente com o déficit previdenciário é uma das
principais causas da precária situação financeira do Governo do RN, quais
sejam, valores dos duodécimos, que, por um lado, reduzem substancialmente
os recursos do Executivo, por outro, permitem uma gastança nos demais Poderes
incompatível com a realidade financeira estadual, como pagamento de auxílios e
benefícios remuneratórios extratetos, de forma até retroativa.
Para embasar o que estamos a falar, trabalhemos números extraídos
das leis orçamentárias e dos portais de transparência dos Poderes.
Conforme a Lei Orçamentária Anual de 2010 e 2016, o montante
de receitas e despesas orçadas eram, respectivamente, de R$ 7.787.121.000,00 e
R$ 10.584.707.000,00. Nos mesmos exercícios, consoante dados do portal da
transparência do Governo, os repasses aos Poderes totalizaram R$ 757.647.780,57
e R$ 1.485.411.298,97.
De acordo com os números supracitados, enquanto que o orçamento, no interstício de 2010 a 2016, cresceu
35,92%, os repasses de duodécimos aos poderes aumentaram em 96,18%.
E, pasmem, estamos falando neste comparativo, de valores
inflados previstos nas leis orçamentárias, pois trabalhando com os executados,
a disparidade se torna muito mais gravosa, já que a arrecadação efetiva
"sempre" vem sendo inferior a orçada, não em virtude de frustração
efetiva de receitas, ano a ano, mas em função de reiteradas decisões políticas
de seu superdimensionamento, que resultaram em consequências nefastas ao Erário
Estadual, entre as quais o envio de recursos indevidos aos Poderes.
Vejam, conforme o portal de transparência do Governo,
contabilizando-se, de 2010 a 2017, o orçamento foi superestimado em cerca de R$
10,10 bilhões, acima comparativamente da arrecadação efetiva de 2016, de R$
10,01 bilhões, montante arrecadado que propiciou no exercício apontado repasses
de duodécimos de R$ 1,485 bilhões aos Poderes.
Em outras palavras, tentando ser mais claro, como inexistiram contingenciamentos de
repasses nos montantes das frustrações orçamentárias, isto possibilitou o envio
de duodécimos indevidos aos demais Poderes que ultrapassaram a casa do bilhão
de reais, propiciou despesas afrontosas à realidade financeira do Estado e
gerou a existência de sobras orçamentárias, i.e, valores orçados remetidos pelo
Executivo a título de duodécimos e não gastos dentro do exercício fiscal, e
que, conforme a imprensa, na reunião com o Governador, foi dito que não mais
estão disponíveis.
Quanto às sobras orçamentárias, causou-me bastante
estranheza a afirmação de indisponibilidade afirmada pelos chefes de poderes,
consoante relata a imprensa, pois há
cerca de 1 (um) ano se falava na mídia estadual em cerca de R$ 540 milhões
"poupados" no TJRN, que tinha levado o seu então Presidente a querer
"doar" ao Governo cerca de R$ 100 milhões para gastos com a segurança
e saúde publicas.
Tais recursos acabaram não sendo transferidos e logo, em
consequência lógica, em 1 (um) ano da atual gestão do tribunal, o de 2017,
seria algo absurdo se imaginar que todo este montante pecuniário
"poupado" tivesse sido gasto.
Nestas pegadas, examinando as receitas e despesas do TJRN,
postas no seu próprio portal de transparência, resta constatado que, de 2010 a
2016, em valores nominais, o saldo positivo é de R$ 528,99 milhões. Caso
incluamos o exercício de 2017, ano em que o RN já estava mergulhado em grave
crise financeira e desarrazoadamente o Judiciário mais gastou em sua história,
R$ 868,13 milhões, 22% a mais do que em 2016, o saldo "poupado"
baixa, em valores nominais, para R$ 385,09 milhões.
Portanto, diante destes números oficiais, não restam dúvidas de que no Judiciario
existe poupança oriunda de sobras orçamentárias, carecendo que o seu atual
gestor, caso tenha afirmado, na reunião dos chefes dos Poderes, que as mesmas
estão indisponíveis, que explique à sociedade o que significa esta
"indisponibilidade".
Quanto ao Poder
Legislativo, a análise restou prejudicada já que o portal de transparência da
"casa do povo" não encontra-se acessível. Entretanto,
perscrustando o portal de transparência de seu órgão auxiliar, o Tribunal de
Contas do Estado, quanto às suas receitas e despesas de 2012 a 2016,
constata-se um saldo positivo de R$ 50,4 milhões. Considerando também o
exercício de 2017, comparativamente a 2016, em que sua receita caiu em 44,59% e
sua despesa aumentou em 12,07%, ainda resta uma sobra orçamentária de R$ 35,3
milhões.
Quanto às sobras do
MPRN, a análise restou prejudicada já que só encontramos disponíveis no seu
portal de transparência os dados de detalhamento de receitas e de despesas dos
últimos 3 (três) exercícios, 2015 a 2017, interregno temporal exíguo, que
demonstram, mesmo assim um pequeno saldo positivo de R$ 8 milhões.
Por outra banda, ainda tecendo paralelos que demonstram a
necessidade de redimensionamento dos valores dos duodécimos, os dados das leis
orçamentárias de 2018 dos Estados do Ceará e do RN apontam respectivamente
receitas previstas de R$ 26,3 bilhões e R$ 11,9 bilhões e gastos para as
funções legislativa de R$ 616,8 milhões e R$ 426,6 milhões, e judiciária, de R$
1,04 bilhões e R$ 869,2 milhões, demonstrando translucidamente que mesmo o
nosso vizinho Estado tendo uma receita prevista 122% maior do que o das terras
potiguares, ele só gastará no exercício corrente, mantendo-se os valores
estimados para as citadas funções, respectivamente, 44% e 20% a mais.
Em outras palavras, nossos
legislativo e judiciário são muito mais pesados financeiramente do que os das
terras de Iracema, a "virgem dos lábios de mel", de José de
Alencar.
Por fim, uma derradeira informação à sociedade
norte-rio-grandense: no ano de 2017,
mesmo o Executivo não tendo repassado aos Poderes cerca de 25% de todos os
duodécimos estimados no orçamento, todos eles funcionaram normalmente, pagaram
seus fornecedores, os salários de seus servidores e alguns ainda se permitiram
gastos perdulários, jurídica e moralmente contestáveis, como o do pagamento
retroativo de auxilio-moradia, férias e licencas-prêmio vencidas de vários anos.
Logo, falar-se em
ajuste fiscal sem que haja devolução ou compensação das sobras orçamentárias e
redução dos duodécimos inflados dos Poderes é tapar o sol com uma peneira,
como assim o faz a Secretaria de Planejamento do Estado - SEPLAN/RN, no Boletim
Fiscal de Receitas e Despesas, ao identificar um déficit financeiro anual de R$
1,3 bilhões e indicar como única solução a redução de despesas com pessoal.
Mais uma vez, no
lastro da histórica incompetência administrativa e política de nossos
governantes em buscar a maximização das receitas, próprias e federais, e a
otimização do uso dos recursos públicos, aplicando-os da forma que sejam
produzidos melhores resultados à população potiguar, defrontamo-nos com esta
crise, cuja solução querem que se dê via arrocho no lado mais fraco, o dos
servidores do Executivo, que além de tentarem impor-lhes um aumento de 27,27%
na contribuição previdenciária, ainda se ameaça até demitir e cassar a
aposentadoria de trabalhadores que, mesmo não tendo sido concursados, estão no
serviço há décadas, alguns já na inatividade.
Definitivamente, este
não é o ajuste fiscal que o Rio Grande do Norte precisa para sair desta crise
financeira, pois não vislumbra o viés da receita, não ataca alguns benefícios
tributários, não redimensiona os valores dos duodécimos, nem trabalha projetos
de desenvolvimento dos potenciais econômicos do Estado.
José Arnaldo Fiuza Lima
Auditor Fiscal do Estado/RN
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2 Comentários
Sensatez, é a palavra que define uma análise técnica, sem cunho político, ainda que, escancare a realidade dos agentes públicos que só representam o povo por meio de notas de solidariedade, sem que de fato, façam algo que evidência uma ação concreta. João Silva
ResponderExcluirTrocando me miúdos...
ResponderExcluir- Os poderes legislativo e judiciário do RN, são grandes gastadores e faladores.
O que eles têm feito para ajudar o Estado na atual crise?? - Gastar muito dinheiro público, e fazer muito discurso vazio de qualquer ação ou responsabilidade social.
- Mais especificamente: O Legislativo gasta e faz discurso. O judiciário gasta demais, e dar liminar mandando prender policiais que estão em greve porque estão passando FOME, e dando tiro na cabeça desespero.
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