Um Filtro de Ouro

setembro 29, 2019


Um Filtro de Ouro
‘Causo’ escrito por Manoel Lourenço *

Chiquinho Apolinário era um homem bastante conhecido em Jucurutu/RN, pelas suas observações, que, invariavelmente, chamavam atenção de quem as ouvissem, pela verdade escondida, que ele trazia à tona.

Vivia de uma oficina mecânica, herdada de seus ancestrais. Morreu, com quase 100 anos; era de uma família longeva, seu pai faleceu com mais de 100.

Seu Biligo, um parente meu, que também morava em Jucurutu, era amissíssimo de seu Chiquinho; passava o dia em sua oficina mecânica, conversando e, quase sempre, "mexendo" no seu caminhão.

Biligo, tinha um caminhão velho; até a década de 1970, fazia viagens com seu pau de arara, para o Canindé/CE. Era uma verdadeira via crussis; uma viagem num caminhão coberto com lonas que esquentavam à exaustão, bancos de madeira, sem escora, enfrentando estradas de barro em péssimas condições e tudo que se possa imaginar de dificuldades que, àquela época eram pouco perceptíveis.

Saía de Jucurutu e só voltava semanas depois; era o tempo em que os fiéis iam pagar suas promessas atendidas, quase sempre feitas em nome de parentes doentes que se recuperavam.

Era muito comum, os fiéis carregarem em suas malas, formatos artesanais de cabeças, braços, mãos, pernas, enfim, representando a parte do corpo que fora tratada, com a bênção de São Francisco do Canindé.

Era quase uma obrigação a famosa "galinha de viagem": uma caipira, cozida e posta em uma lata com farofa, que depois de fechada, resistia semanas sem se estragar. Era uma verdadeira festa para os fiéis, que faziam promessa pra fazer esse percurso todo ano.

Com o tempo, seu Biligo se viu obrigado a encontrar outro meio de vida; seu carro velho não mais atendia suas necessidades; achou melhor vendê-lo e mudar-se para Mossoró, onde seu filho tinha uma promessa de trabalhar como motorista em uma caçamba, numa firma.

A comunicação entre seu Biligo e seu Chiquinho, tornou-se muito difícil em função da distância e das dificuldades de deslocamento, que àquela época, a situação impunha. As notícias que chegavam, vinham quase sempre à luz do acaso.

Tidal, é um dos filhos de seu Chiquinho, diga-se, um exímio artesão; fazia carros de brinquedo como ninguém. Usava madeira de caixões que embalavam o sabão Santa Rita e latas vazias de óleo Tibiriçá, para trabalhar suas obras, que faziam inveja a todos nós, amigos seus, de infância.

Tidal, já um rapaz, veio a Mossoró, comprar algumas peças para reposição nos carros dos clientes e, claro, foi incumbido de, como sem falta, fazer uma visita a casa de Biligo; seu Chiquinho queria, a todo custo, saber notícias do amigo ausente.

Ao chegar em Mossoró foi direto para casa de seu Biligo, e, em conversa, percebeu que este já dera alguns passos à frente: já, até, havia adquirido um Fiat 147, velho, é verdade, mas que atendia às necessidades da família.

De volta a Jucurutu, seu Chiquinho, nem bem deixou Tidal chegar, já o questionava sobre como estava a vida de seu grande amigo, o velho Biligo, que ele chamava de BERIGO.

- Meu filho, como vai cumpade Berigo?

- Seu Biligo vai indo, papai, já comprou até um FIAT...graças a Deus!!!

Seu Chiquinho, já sentindo dificuldade de entendimento das palavras, desfechou:

- Quem era Berigo!!!, saiu daqui, puxando uma cachorra, hoje tem até um FILTO pra BEBÊ água.

* Manoel Lourenço, técnico agrícola aposentado e atualmente um contador de 'causos'

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