Uma Banda ‘Meia’ Esquecida
setembro 22, 2019
Uma Banda ‘Meia’
Esquecida
‘Causo’ escrito por Manoel
Lourenço *
Luiz Antonio, sobre quem já falei à exaustão de suas
qualidades, contou-me essa que se deu quando ele morava no estado da Paraíba.
Mestre João, um amigo de Luiz Antonio gostava muito de
trocar e vender; vivia disso, na verdade. Outro dia, vendeu, fiado, uma faca a
seu amigo Pedro de Olinda, que prometeu pagá-la, no fim do mês, quando recebesse
o dinheiro de um porco que ele havia vendido.
Chegou o fim do mês e Pedro não apareceu para pagar a conta,
conforme havia combinado, e, sequer, deu satisfação ao seu credor.
Mestre João, um homem que costumava cumprir com seus
compromissos à base de quem tem vergonha não faz vergonha, resolveu calar-se e
esperar pela ação do amigo, entendendo que houvera algum contratempo em suas
contas que não lhe permitiu cumprir com a palavra.
Depois de algum tempo, Mestre João, apesar de admitir a
possibilidade de um calote, ainda assim alimentava a esperança de algum dia
receber o seu dinheiro.
Pedro de Olinda, levado pela falta de opção de trabalho e já
sentindo dificuldades até pra se alimentar, resolveu mudar-se de cidade, com a
promessa de um amigo, de arranjar alguma viração, enfim...
Pedro, não preocupou-se em avisar ao seu credor, achando que
Mestre João, com o tempo esqueceria aquela dívida, até pelo motivo que o levou
a deixar sua cidade.
Já morando em outro município, Pedro foi vítima do que hoje
chamamos de Acidente Vascular Cerebral - AVC, que àquele tempo o povo costumava
chamar de "apanhar um ramo", que na maioria das vezes, deixava o
paciente com um lado do corpo adormecido, que o matuto costumava chamar de
esquecido.
Assim, Pedro ficou impossibilitado de trabalhar e resolveu
regressar pra sua cidade, já com um benefício do governo, que mal dava pra ele
comprar seus remédios.
Pensou Pedro: eu acho que Mestre João vai entender minha
situação: já faz 20 anos que eu comprei essa faca, moro por aqui esse tempo
todo, estou um homem debilitado, sem dinheiro e entregue à sorte.
Assim, Pedro, volta pra morar na mesma cidade e, resolveu
dar satisfação a Mestre João; foi até a sua casa, tentar sensibilizar o amigo,
evidentemente, usando como pretexto sua doença que o deixou no estaleiro, e,
quem sabe, à luz de uma boa desculpa, o amigo pudesse entender e dar aquele
caso por encerrado.
Pedro sabia que precisaria de perícia pra formular uma
justificativa plausível; assim, o início da conversa era a pedra fundamental
dessa história:
- Bom dia, Amigo Mestre João, antes de qualquer desculpa, o
senhor tomou conhecimento que eu estou com uma banda do corpo esquecida?
- Bom dia, Pedro, tomei conhecimento, sim, e estou torcendo
que não seja a banda que comprou a minha faca.
* Manoel Lourenço,
técnico agrícola aposentado e atualmente um contador de 'causos'
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