Um Queijo para Mamãe
outubro 13, 2019
Um Queijo para Mamãe
‘Causo’ escrito por Manoel
Lourenço *
Meu sogro, Joãozinho de Joca dos Reis, na década de 1970
morava no sítio Pedra Ferrada município de Jucurutu/RN.
Joãozinho conserva, até hoje, mesmo morando na capital,
aquele estilo afagador, típico do sertanejo que costuma dar abrigo às pessoas,
que, de alguma forma, lhe procuram, e o faz com muita naturalidade.
Vivia pelas cercanias de Pedra Ferrada, seu Antonio Félix,
um senhor de idade, com uma barba enorme e uma trouxa de molambos às costas,
sustentada por uma pequena vara de jucá; que caminhava incessantemente pelas
estradas carroçáveis da região, com sua inseparável flauta de taquari,
fabricada por ele mesmo, de forma grosseira, mas que dava-lhe a certeza de
"tirar", como ele dizia, suas músicas preferidas e, por que não,
atender alguns pedidos, quando de suas paradas nos caminhos da vida, como forma
silenciosa de compensar os pratos de comida que ele recebia.
Seu Antonio Félix tinha alguns problemas mentais, mas pouco perceptíveis;
era extremamente monossilábico, mas se fazia entender no pouco que dizia.
Parava, com muita frequência, em Pedra Ferrada, geralmente
vindo de Barra de Santana, terra de seus familiares. Essas paradas quase sempre
eram com intuito de se alimentar; seu dia a dia forçava a isso; ele gastava
muitas energias.
Gozava de muito prestígio por parte da família de meu sogro,
pela sua inocência, e, principalmente, pelas suas necessidades.
Joãozinho, um certo dia, valeu-se dos préstimos de seu
Antonio; precisou mandar, por ele, um queijo de qualho para sua mãe que morava
em Barra de Santana, a alguns quilômetros dali.
Nem preciso me esforçar pra explicar as dificuldades
inerentes àquele tempo; tudo era muito difícil, principalmente quando se
tratava de envio de encomendas e correspondências:
- Seu Antonio, leve esse queijo de qualho e quando o senhor
passar por Barra de Santana, entregue-o a mamãe,
por favor!!!
- Tá certo, seu Joãozinho, pode deixar que eu entrego!!!
Tempos depois meu sogro foi a Barra de Santana e, despretensiosamente,
perguntou a sua mãe se esta havia gostado do queijo que ele mandara, enfim...
Sua mãe, meio sem entender a pergunta, disse-lhe que não
havia recebido nenhum queijo, e, como conhecia o caráter do filho, já atribuiu
a pergunta a um possível engano.
Joãozinho, após explicar a sua mãe, a verdadeira história,
causou admiração a todos, uma vez que o portador gozava da confiança da
família.
Dias depois, seu Antonio aparece em Pedra Ferrada, e, nem é
preciso dizer que foi alvo de questionamentos, não pelo valor do produto em
questão, mas pela vontade de desmistificar aquele imbróglio.
- Bom dia, seu Antonio, tudo bem com o senhor?
- Tudo bem, seu Joãozinho!!!
- Seu Antonio, o senhor tá lembrado daquele queijo que eu
mandei para o senhor entregar a mamãe?
- Tô lembrado, seu Joãozinho!!!
- O senhor entregou, seu Antonio?
- Entreguei, seu Joãozinho!!!
- E o senhor entregou esse queijo a quem, seu Antonio?
- Entreguei a mamãe,
seu Joãozinho!!!
* Manoel
Lourenço, técnico agrícola aposentado e atualmente um contador de 'causos'
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