O branco na cantoria
agosto 09, 2020O branco na cantoria *
* Manoel Lourenço / Emater/RN
Historicamente eu tive uma aproximação muito robusta com os cantadores de viola. Essa minha admiração surgiu quando eu era ainda um menino lá em Jucurutu. Eu morava vizinho a Waldemar Siqueira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e um admirador contumaz da cantoria.
Waldemar, habitava uma casinha muito modesta, com muitos bancos de madeira na frente da casa para receber o público que vinha ver as cantorias, quase sempre com Sebastião da Silva e outro violeiro.
Não havia, como hoje, um contrato; os expectadores chegavam e, voluntariamente, colocavam suas contribuições numa bandeja que ficava exposta sob uma iluminação improvisada.
Meu pai era o primeiro a chegar e, invariavelmente, dava um tema para os violeiros ou pedia uma canção.
Era tudo muito natural, como diz o amigo Diassis Linhares da Rádio Sal da Terra: "Esse era o tempo em que a gente só tinha medo de alma".
À década de 1980 quando vim morar em Mossoró, acabei conhecendo outros poetas, como Luiz Campos, Luiz Antônio, Onésimo Maia e Raimundo Lira, todos, como a gente diz no interior, passados na casca do alho.
Outro dia, conversando com meu amigo o poeta Crispiniano Neto, ele me relatou um episódio que se deu com um cantador de viola, numa cantoria na vizinha cidade de Apodi.
Como sabemos, todos nós estamos sujeitos aos deslizes quando estamos falando sobre algo e, de repente, é comum dar aquele branco.
Mas, a bem da verdade, esse branco acaba tendo um resultado catastrófico, quando aparece em meio a uma cantoria, quando o poeta, além de ter que esboçar uma sequência lógica, de improviso, ainda tem que encaixar a rima: convenhamos, é tudo muito mais complicado.
Foi nesse clima que o poeta, citado pelo amigo Crispiniano ao se apresentar em Apodi, experimentou do branco e teve que contornar a situação pouco confortável e tendo que fazer remendo pouco comum para os padrões que norteiam as cantorias.
Após cumprimentar os presentes e afinar a viola, o poeta inicia seu trabalho:
- Eu saí de Mossoró, para vir cantar aqui...
Vim cantar repentes bons,
Para o povo de Apodi
Porque meu repente é... (deu o branco) e ele completou: Ti ri ri ti ri ti ti...
Manoel Lourenço
Emater/RN
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